sexta-feira, 23 de março de 2007

"Quanto mais vivo menos conheço a humanidade"


Sou uma pessoa que procura ser amiga de quem é minha amiga e, confesso, aprecio sinceramente cada pequeno sinal de manifestação dessa amizade, imaterial ou material, não pelo valor concreto que as manifestações materiais possam ter, mas pelo que representam no plano imaterial… Mas que há manifestações e manifestações, ai isso há.

Há uns anos, uma pessoa a quem considerava amiga, originária de uma aldeia transmontana próxima de Mirandela, no regresso de mais uma viagem às origens, perguntou-me se gostava de alheiras. Explicou-me a minha amiga que por aquela altura do ano, era habitual juntarem-se todas as irmãs (eram cinco, creio eu) na aldeia de onde era proveniente, para fazerem alheiras em quantidade suficiente para durarem para todo o ano e, assim sendo, se eu gostasse, teria todo o gosto em dar-me umas quantas.

Já era habitual a minha amiga presentear-me com produtos feitos na sua aldeia de Víboras, sempre que lá ia – folar, por altura da Páscoa, por exemplo, mas era sempre duro, eu pensava até então que seria da viagem. Pela minha parte, fico sempre contente com o que me dão, e então sorria com sinceridade e ficava muito sensibilizada. Quem oferece é porque o faz com carinho e é essa manifestação de carinho que me faz ficar contente pelas ofertas. No caso das alheiras, confesso-me uma apreciadora, apesar de sempre que as como me pesar na alma o mal que sei que elas fazem …

Apesar do hábito das ofertas, nunca a minha amiga me tinha dado alheiras até à altura. Confrontada com a oferta, ainda lhe disse que não havia necessidade de se incomodar, na expectativa de que a oferta não se concretizasse e evitasse eu, desse modo, um mais que certo ataque ao meu colesterol.

A verdade é que, passados uns dias sobre esta conversa, lá se apresentou no escritório com um enorme saco de alheiras. Eu fiquei um pouco preocupada pois penso que não se podem congelar alheiras e aquilo para mim era muita coisa. Lá passei, a partir daí, a comer alheira duas vezes por semana. Comia-as eu em parceria com a minha sobrinha, na altura com 5 anos, mas já grande apreciadora das ditas. Um dia estava, deliciada, a comer das ofertadas alheiras quando, de repente, senti algo a espetar-se no céu da boca. "Mas isto é confeccionado com carne, como aparece aqui uma espinha!", pensei eu. Saí da mesa a correr, para a casa de banho para ver se percebia o que se tinha espetado no céu da boca. A dor sentida era muito grande, insuportável, mesmo. Depois de algumas tentativas, consegui tirar o objecto e fiquei siderada quando vi o que era: uma agulha! Não será preciso dizer, mas claro que fiquei bastante ferida e dorida, e levei alguns dias a recuperar do incidente.

Poucos dias depois apareceu a senhora no escritório e lá perguntou se eu estava a gostar das alheiras. Eu numa atitude quase envergonhada, contei-lhe que uma alheira trazia uma agulha e comentei que ainda bem que me tinha saído a mim, porque se tivesse saído à minha sobrinha a situação podia ter sido em mais séria. Para meu completo espanto, ela deu um ai de satisfação e disse: "ainda bem que já apareceu a agulha". De imediato, sem dizer mais, toca de pegar no telemóvel, e marcou um número e toca de dar a boa nova a quem estava do outro lado: " Podeis comer à vontade, já apareceu!". Concluída a conversa telefónica, acabou por me confessar: "sabe nós quando estávamos a fazer as alheiras perdemos uma agulha. Andávamos a comer a medo!" Assim, ainda bem que já apareceu, agora já podemos comer mais descansadas!".
Todas estas dádivas tinham como objectivo pagar trabalhos que eu fazia para a senhora sem cobrar qualquer pagamento: Como seja fazia-lhe a contabilidade escrevia cartas para fornecedores e clientes dessa Senhora.


Mas a vida é assim.
Beijinhos para todos

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