terça-feira, 6 de março de 2007

A foragida de Felgueiras e as fraquezas da democracia



Fátima Felgueiras é uma personagem detestável. Nas suas aparições diárias no pequeno ecrã, sorriso mais do que postiço afivelado no rosto, impecavelmente arreada com o que o dinheiro e um gosto de presidente de câmara de cidade média do interior permite comprar, rodeada de ignaros cidadãos que agradecem à iluminada presidente da câmara o facto de os ter usado no passado, e o de o continuar a fazer hoje, para fugir à justiça, entre outras coisas menores e maiores, Fátima Felgueiras ilustra bem muitos dos males da democracia.

Confesso que nunca perceberei como as pessoas não se importam que alguém que foi eleito para servir em nome delas, se sirva do cargo para se beneficiar, a ela, ao partido e a uns quantos amigos. Que alguém seja capaz de dizer “se ela fez isso outros fazem pior”, como ainda um destes dias se pôde ver, dito por um dos munícipes da personagem, é algo que me deixa perplexa.

Toda esta situação em torno da D. Fátima é, como já disse, ilustrativa de muitos dos males da democracia. Como primeiro mal, este processo ilustra bem a teia de interesses muito pouco claros em torno do poder local, verdadeiro foco de corrupção, como tantos têm afirmado (vide Maria José Morgado).

Como segundo mal, e intimamente ligada à situação anterior, a questão do financiamento dos partidos políticos, verdadeira razão pela qual este processo de Felgueiras se iniciou (com o famoso saco azul, usado para injectar ilegalmente dinheiro no PS, mas podia ser em qualquer dos outros).

Como terceiro mal, a forma como as relações pessoais influênciam tudo. Está até hoje indesmentido o facto de ter sido um juiz desembargador a informar Fátima Felgueiras de que a Polícia Judiciária se preparava para a prender, permitindo que ela fugisse para o Brasil, onde permaneceu feliz e livre, preparando o regresso a tempo de poder permanecer no cargo de “presidenta” da câmara de Felgueiras. O dito juiz, avaliado o seu comportamento pelo órgão de auto controlo da magistratura, lá permaneceu incólume e não incomodado.

Como quarto mal, e muito ligado ao anterior, a importância de se ter dinheiro para se ter “justiça”. Quem tem dinheiro pode “comprar” bons advogados, que usam os recursos da lei até ao limite do possível, explorando todas as hipóteses, garantindo o arrastar dos processos, e eventualmente até os evitando, à custa da alegação de ilegalidades e inconstitucionalidades.

Como quinto mal, a importância da televisão nos dias em que vivemos e da forma como isso pode ser usado para os piores fins. A D. Fátima usa, como poucos, a televisão em seu proveito. Usou-a no Brasil, usa-a aqui, todos os dias. As fatiotas com que se apresenta todos os dias, o calculismo milimétrico com que, hipócrita sorriso esboçado no rosto, toca, piedosamente, os desgraçados que se aglomeram à entrada do tribunal, na esperança de ver, de sentir, de ser tocados, pela endeusada D. Fátima, tudo isso contribuiu para que ela passe até à exaustão a imagem de uma mulher boa, honesta, perseguida por forças tenebrosas que a querem linchar na praça pública. O rosto dela, no entanto, é como o algodão - não engana - e tem indelevelmente marcado, a hipocrisia e o cínismo puro e genuíno.

Como sexto mal, a influência do nível de subdesenvolvimento cultural, social e educacional nas escolhas das pessoas. Não fossemos cultural e educacionalmente um país do terceiro mundo, e não haveria compaixão, não haveria pachorra para as Fátimas Felgueiras deste mundo. Nenhuma D. Fátima, nenhum Isaltino, poderiam sair-se bem em situações como as que conhecemos.

O sistema de justiça tem, agora, em Felgueiras, no Apito Dourado, no caso Casa Pia, de demonstrar que está á altura dos desafios que a situação actual colocada. Hoje o sistema está desacreditado. Espero, sinceramente, que a D. Fátima, ou os senhores dos apitos dourados e casa Pia, não tenham vitórias de secretaria, em que provas claras das respectivas malfeitorias (as escutas telefónicas) , não sejam admitidas por absurdos constrangimentos formais. Hoje, a sensação de que quem tem dinheiro se “safa” sempre, tem de ser eliminada, sob pena de o descrédito do sistema e do regime, ultrapassarem o ponto sem retorno.

Para bem do sistema judicial e da saúde da democracia espero, no final, ver o sorriso hipócrita e cínico da D. Fátima desaparecido dos ecrãs da televisão. Seria o primeiro sinal, em muito tempo, de que o crime de colarinho branco não compensa… Se assim não for, este sistema judicial terá assinado, assim espero, a respectiva sentença de morte!

Beijinhos para todos!...

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