segunda-feira, 13 de novembro de 2006

Pode a guerra ser decidida por votação?



Em semana de derrota eleitoral do partido republicano nos Estados Unidos, parece uma escolha fácil criticar a forma como a administração Bush se comportou no Iraque. A verdade é que já tinha escolhido falar sobre o Iraque, a propósito da condenação de Saddam Hussein, pelo que bem pode a coincidência da derrota eleitoral republicana ser aproveitada para uma pequena reflexão sobre o Iraque e as consequências da forma como toda a questão iraquiana foi gerida.
Desde algum tempo se tornou claro que a ausência de uma estratégia para o pós-guerra no Iraque, associada a alguns erros de gravíssimas consequências (extinção do exército iraquiano logo após a vitória militar contra esse mesmo exército, por exemplo), levou o país ao estado actual de caos e guerra civil. A própria escolha, premeditada, e sempre reafirmada de que a situação podia ser resolvida com um número de tropas substancialmente mais reduzido do que na primeira guerra do Golfo, por exemplo, para tornar a decisão da invasão mais fácil de “digerir” pela opinião pública americana, defendida pelo agora demitido secretário da Defesa, levou a que a “guerrilha” nunca pudesse ter sido contida, nem que as distintas milícias xiitas pudessem ser eliminadas, como deviam ter sido logo de início. Essas milícias são hoje um grande problema, uma vez que são elementos cruciais da guerra civil em curso, constituindo uma das partes desse conflito resultante da luta pelo poder no Iraque do pós-guerra.
Colocando de lado a questão de saber se a decisão de iniciar a guerra ou não foi correcta, parece claro que toda a estratégia que se lhe seguiu foi errada. Essa estratégia, ainda que a posteriori, suscita-me duas reflexões me que interessa discutir aqui.
A primeira reflexão talvez a de maior relevo, tem a ver com a natureza dos sistemas democráticos ocidentais, que num mundo perigoso como o de hoje, em que a guerra, ou pelo menos o uso selectivo da força pode vir a ser necessário, não me parecem particularmente habilitados para nela se envolverem. Como nestes países as eleições ocorrem com regular periodicidade, e não se espera que as volúveis opiniões públicas apoiem envolvimentos militares com elevados custos em termos da vida dos soldados, e com os media, dia após dia, a mostrarem imagens sangrentas do sacrifício diários dessas vidas, esses envolvimentos começam sempre com promessas de envolvimento minimalista, com forças voluntariamente reduzidas em número, com promessas de guerra curta, sofrimento mínimo. Como dificilmente isto se consegue concretizar, à medida que o curso do conflito torna estas promessas ridículas, começa a pressão para a retirada, com o sentimento humano de limitar perdas, pressão essa que é eleitoralmente popular, como agora se constata através da vontade dos democratas, agora maioritários no Congresso, de marcar um calendário para a retirada, transformando todo o sacrifício feito até agora num sacrifício inútil.

Esta debilidade democrática é particularmente perigosa num cenário de países párias como o Irão ou a Coreia do Norte, com acesso a armas nucleares já assegurado ou em vias disso, e em que o recurso a uma acção militar pode ser necessário para assegurar aquilo que a diplomacia não tem conseguido. Mesmo a luta contra o terrorismo islâmico radical, que não padece da mesma fraqueza, pode ser condicionada por esta natureza eleitoralmente impopular dos conflitos, e por políticos que não se importam de aproveitar essa impopularidade para acederem ao poder.

A segunda reflexão tem a ver com a cegueira que a arrogância pode acarretar. A arrogância decorrente de 12 anos de maioria no Congresso levou a que a administração Bush conduzisse a decisão de partir para a guerra e a estratégia de condução da guerra e do pós-guerra sem procurar consensos que sustentassem politicamente a acção dos militares no terreno. Foi a arrogância das maiorias, que se traduz, noutras paragens e noutros cenários, em decisões igualmente infelizes e normalmente sem grande clarividência. A arrogância do auto-convencimento sobre o seu próprio poderio militar levou a que a decisão da guerra fosse tomada de um modo tão divisivo, por oposição ao que se passou no Afeganistão, que condicionou e condiciona, ainda hoje, as opções militares e não militares para a situação a que se chegou.

Saddam Hussein foi condenado à morte. O único aspecto positivo resultante da invasão do Iraque foi o fim do regime de Saddam, que é uma personagem que encarna o que de pior a espécie humana pode dar. Não há qualquer dúvida sobre a natureza assassina, genocida até, do regime a que a invasão pôs fim. Apesar disso, não sei se a decisão de executar Saddam será a mais acertada. Mesmo do ponto de vista do “castigo”, não seria uma longa pena de prisão perpétua uma melhor decisão? Não aproxima esta decisão o regime iraquiano actual do regime a que se pôs fim com a invasão? Será melhor tornar Saddam um mártir para os sunitas, agravando o sentimento de insegurança da minoria sunita iraquiana, que tanto tem contribuído para a situação de quase guerra civil actual? Não seria melhor, até como lição para o futuro, a visão de um Saddam na prisão, despojado da arrogância que exibia enquanto líder supremo do Iraque? Quem ganha com a morte de Saddam?!

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